quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Beowulf: A história por trás da lenda


Trecho do manuscrito de Beowulf,

encontrado em um mosteiro inglês.
A chamada Era Viking, marcada pela expansão dos povos nórdicos pelo mar, sobretudo para as Ilhas Britânicas, começou no século VIII, quando navegadores escandinavos passaram a sair de suas terras com mais freqüência para buscar tesouros, riquezas e praticar pilhagens. Porém, a coragem e a inspiração desses bravos conquistadores são mais antigas e sua origem pode remontar aos tempos antes na própria Escandinávia. O poema heróico anglo-saxão Beowulf, provavelmente compilado por volta do ano 1.000, mas composto nos séculos anteriores, é uma boa referência para entender o povo da região na Idade Média. Embora tenha sido escrito com uma conotação cristã - nota-se isso pelas referências ao deus do cristianismo na obra - é possível identificar no texto as motivações heróicas de seus personagens, típicas dos guerreiros da época que entravam em guerra em busca de aventuras e glória. O poema, que quase foi destruído em um incêndio, é considerado o primeiro texto da literatura anglo-saxã, ainda escrito no chamado Old English (o inglês arcaico). Desde sua descoberta, o livro tem inspirado pesquisadores de literatura inglesa de diversas partes do mundo. Um dos mais notórios estudiosos de Beowulf, que popularizou a obra no século passado, foi John Ronald Reuel Tolkien, autor da trilogia O Senhor dos Anéis, O Hobbit, Silmarillion e outros.
Embora Beowulf seja um texto literário, nem tudo no poema é fruto da criatividade do autor - ainda desconhecido. Boa parte da obra realmente retrata com precisão o comportamento e o pensamento dos escandinavos da Idade Média pré-cristã e pré-viking. Beowulf narra a aventura do personagem de mesmo nome, um valoroso guerreiro que viaja à região onde hoje fica a Dinamarca, com um pequeno grupo de aliados para enfrentar uma monstruosa criatura chamada Grendel. A fera estava dizimando os habitantes do reino de Hrothgar, que nada conseguia fazer para expulsá-la. Movido pela coragem e pela bravura de um legítimo nórdico, Beowulf vai rumo ao desconhecido para se confrontar com o monstro e, mais à frente, com a própria morte - sem nunca recuar nas batalhas. Segundo especialistas, o poema mostra com clareza a forma como viviam os antigos combatentes das terras da Escandinávia. Se fosse preciso, eles realmente se lançariam à morte para defender o que acreditavam ser o correto. É a chamada Teoria da Coragem do Norte.
   De acordo com Terje Spurkland, professor do Instituto de Lingüística e Estudos Nórdicos da Universidade de Oslo (Noruega), Beowulf pode ser considerado um poema heróico pré-viking, composto oralmente entre os anos 700 e 750. Segundo o historiador Elton Medeiros, mestre em história pela USP e especialista no poema anglo-saxão, o texto de Beowulf surgiu a partir da tradição oral e, posteriormente, foi compilado com outros textos: A Paixão de São Cristóvão, As Maravilhas do Oriente, A Carta de Alexandre para Aristóteles, Beowulf e Judite, os dois primeiros escritos em prosa e os demais em verso. alcula-se que esse codex dos textos tenha sido feito entre os anos de 975 e 1025 (por isso a adoção do ano 1.000), portanto, pode ter sido escrito após a cristianização dos vikings. A versão que chegou até os dias atuais passou muitos anos guardado em uma igreja sem receber a devida importância. Portanto, pouco se sabe com certeza sobre a origem da tradição do herói do poema. “Nos manuscritos originais há dois textos religiosos e outro contando a saga de Alexandre, e Beowulf está perdido no meio. Outra teoria é que a compilação desse códice no qual Beowulf integra fosse, talvez, um livro contando história de aventuras de monstros, pois as narrativas religiosas também tratam de combates”, argumenta Medeiros. “Beowulf, então, é uma espécie de quimera, pois é uma compilação estranha: há uma mistura de dialetos de diversas partes da Inglaterra e ninguém tem certeza de quando essa tradição realmente surgiu, na verdade”.

O historiador Johnni Langer, pós-doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), coloca em dúvida a idéia de que o texto tenha sido desenvolvido inicialmente no século VIII e, depois, reunido em um único material. “Tradicionalmente, a data de composição do poema gira entre os séculos VII e VIII, primeiramente pele forma oral. Depois, com a influência da língua latina, houve a preservação do manuscrito no ano 1.000”, diz. “Porém, acredito que a obra foi composta oralmente e escrita ao mesmo tempo, no ano 1.000. O dragão das mitologias germânica e escandinava não tinha asas e era praticamente uma grande serpente, como a criatura que enfrenta Thor durante o Ragnarök. Mas Beowulf se confronta com um dragão alado que cospe fogo no fim da narrativa, e essas criaturas só surgiram por volta do ano 1.000 por causa do cristianismo, pois é uma alusão ao próprio demônio”, argumenta.



JORNADA DO MANUSCRITO

Polêmicas à parte, importa que o poema conseguiu transcender os séculos e chegar aos leitores contemporâneos. Mas o caminho não foi fácil. No século XVI, o manuscrito passou para as mãos do antiquário Lawrence Nowell, que assinou seu nome na primeira página do épico em 1.565 - dando a impressão de que ele era o autor. Nos anos seguintes, o material foi passado para sir Robert Bruce Cotton, que o manteve em seu acervo pessoal. Porém, em 1.731, Beowulf quase foi destruído em um grande incêndio. As margens do papel e algumas palavras ficaram danificadas. Na última tradução lançada no Brasil, pela editora Tessitura, o tradutor Erick Ramalho deixou alguns poucos trechos marcados com asteriscos, pois essas passagens são indecifráveis.

Por fim, o manuscrito foi entregue à British Library, na Inglaterra, onde permanece arquivado até hoje. Oficialmente, Beowulf se chama Cotton Vitellius A. XV. O motivo é simples: pertencia a Robert Bruce Cotton e estava arquivado na estante A, onde era o 15º livro da prateleira e ficava ao lado do busto do imperador romano Vitellius. Porém, é conhecido pelo nome do personagem principal da narrativa justamente por se desconhecer o autor.
Fonte: Leituras da História

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